Brasília 130 anos
Reportagem publicada originalmente em jornal de Nova Xavantina — MT em 1992 com o título “Brasília 100 Anos”
Apesar de a discussão sobre a interiorização da Capital do país ter-se iniciado ainda à época da inconfidência Mineira, por aqueles grandes homens que a articulavam, e ter prosseguido, com José Bonifácio e os maçons que conseguiram a independência, a demarcação da base físico-geográfica da Nova Capital, neste ano, completa 130 anos: a Missão Cruls.
Em 1892 o engenheiro belga Luiz Cruls capitaneou uma expedição de vários cientistas, entre eles astrônomos, botânicos, higienistas e naturalistas, com a intenção de demarcar no planalto goiano a área onde se deveria implantar a Capital da República. O trabalho da denominada “Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil” (Missão Cruls) tinha por base a determinação inserida na 1ª Constituição Republicana (1891) que mandava demarcar uma área de 14.400 Km quadrados.
A 1ª expedição da Missão Cruls foi levada a efeito de junho de 1892 a julho de 1893, no intuito fundamental de proceder a estudos para conhecimento da posição astronômica da área a ser delimitada, a sua topografia, as fontes de energia, a fertilidade do solo, a abundância de águas, a geologia, fauna e a flora, a salubridade, o clima e a beleza panorâmica. Após 4.000 km a cavalo, transportando 10 toneladas de equipamentos, tudo foi cuidadosamente estudado, esmiuçado, observado e descrito.
Apesar do brilhante trabalho, nos anos seguintes, a mudança da Capital caiu no esquecimento, por uma razão bastante atual: a falta de recursos financeiros. O assunto, no entanto, era tratado esporadicamente através da imprensa e no próprio Congresso Nacional, até que, por um decreto deste, ao meio dia de 7 de setembro de 1922, em comemoração ao centenário da independência do Brasil, foi lançada a pedra fundamental da futura Capital dentro da área anteriormente definida pela Missão Cruls. Correram os anos e, uma vez mais, o assunto foi esquecido, até que em 1940, Getúlio Vagas, ao lançar a “Marcha para Oeste” um movimento para redenção do interior do País, assim falou em Goiânia:
“O vosso planalto é o miradouro do Brasil. Torna-se imperioso localizar no centro geográfico do país poderosas forças capazes de irradiar e garantir a nossa expansão futura”.
O início da construção de Brasília veio com outro presidente, Juscelino Kubitschek, e seu famoso slogan: “50 anos em 5”, que levou à inauguração da cidade, a “capital da esperança”, à zero hora do dia 21 de abril de 1960, em homenagem a Tiradentes, o primeiro idealista da interiorização da Capital; não obstante esse dia, 21 de abril, também ser o da fundação da “Cidade Eterna”, Roma, que à sua época, teve o mundo a seus pés.
A ideia e a materialização de Brasília possibilitaram aos brasileiros que olhassem mais para dentro de si e descobrissem o quanto é rico o interior do seu país. Retirar a concentração de população do litoral não foi o único objetivo alcançado; o mais importante foi a descoberta de um rincão de riqueza e desenvolvimento que a marcha dos brasileiros para o Centro-Oeste trouxe. Como se estivessem repetindo o glorioso passado dos Bandeirantes, esse sonho favoreceu a integração, de norte a sul e de leste a oeste, através das rodovias e ferrovias que tiveram sua construção alavancada a partir da transferência da Capital para o novo Distrito Federal.
Apesar do planejamento e tentativa de controle durante o seu crescimento, o Distrito Federal já conta com uma população de mais de 3,1 milhões de habitantes, com representantes provenientes de todos os países do mundo – são os corpos diplomáticos baseados nas embaixadas e organismos internacionais – além de brasileiros vindos de todos os estados do país, fazendo desta região uma das de maior índice de caldeamento racial do planeta. Ocupa uma superfície de 5.814 km quadrados localizada entre os paralelos 15°30’ e 16°03’ ao sul do Equador, possui uma altitude média de 1.100 metros, em meio a uma vegetação de cerrado, com um clima seco mas amenizado pela superfície do portentoso Lago Paranoá que envolve a parte principal da cidade, denominada de Plano Piloto.
Dotada de boa infraestrutura turística, com hotéis, restaurantes, teatros e áreas de lazer para todos os gostos e estilos, o forte da visitação são os monumentos concebidos por Oscar Niemeyer, em estilo moderno, que, perfeitamente integrados ao projeto urbanístico de Lúcio Costa, acabaram elevando a cidade à condição de “Patrimônio Cultural da Humanidade”.
Brasília destaca-se também por ser a “Capital do Terceiro Milênio”, a capital de traços ancestrais e futuristas, exotérica e esotérica, sede do Poder e de vários poderes, uma cidade central e universal, bem ao estilo de seu próprio lema: “Ventura Ventis”, isto é, “Aos ventos que virão”.
Belezas naturais até hoje não lhe faltam. Curioso e mundialmente singular é o acidente (se é que pode ser assim chamado) geográfico onde, a poucos quilômetros do centro da cidade, na “Estação Ecológica Águas Emendadas”, afloram cristalinas nascentes que, fluindo em diversas direções, dão vida a braços formadores das bacias hidrográficas do Amazonas e do Prata, o que faz lembrar as palavras do grande etnólogo mexicano José de Vasconcelos, no começo do século:
“É dentre as bacias do Amazonas e do Prata que surgirá a futura raça cósmica, filha das dores e da esperança da humanidade, e que trará a paz e a concórdia a todos os povos da Terra”.
Graciosa, mística e estrategicamente encravada no peito do Brasil (ainda que semidesperto), a irradiar rios, energias e decisões, Brasília, “Capital profetizada”, também é a materialização (e a espiritualização – como muitos o asseguram) do visionário sonho de um santo em 1883, Dom Bosco.
“Entre os paralelos 15 e 20 graus havia um leito muito largo e muito extenso, que partia de um ponto onde se formava um lago... quando se vierem a escavar as minas escondidas no meio destas montanhas, aparecerá neste sítio a terra prometida, donde fluirá leite e mel. Será uma riqueza inconcebível”.
Carlos Eduardo Martini Leister
Fernando Antônio Calmon Reis
José Augusto dos Reis Gomes
Brasília
por Carlos Eduardo Martini Leister